Nuvem de Leitura
Promoção da leitura. Apoio à disciplina de Português.
quarta-feira, 24 de julho de 2013
terça-feira, 23 de julho de 2013
Crónica de Fernando Alves: Da frivolidade (Llosa e Camus)
«A palavra "frivolidade" corre o noticiário destes dias. Ainda nos lembramos da recente capa do "Economist" sobre "a eleição mais frívola do Ocidente", com Hollande e Sarkozy sentados na relva, numa curiosa recriação de um célebre quadro de Manet.
E agora vários dirigentes partidários espanhóis se referem, indignados, à frivolidade de um rei que, em plena crise, foi caçar elefantes para o Botswana. O jornal "El Mundo" considerou que o triste espectáculo dado pelo monarca espanhol "transmite uma imagem de indiferença e frivolidade que o Chefe de Estado jamais deveria dar".
É um exercício a que nos deveríamos entregar com mais frequência: o da percepção dessa frivolidade que se impôs como regra, como "ar do tempo". Esse exercício deveria assustar-nos, porque fomos cedendo a essa evanescência doce, a essa pauta leviana e fácil. Em todos os domínios, na política, no jornalismo, na convivialidade quotidiana.
Uma importante entrevista de Vargas Llosa ao jornal "El Pais" veio, este fim-de-semana, desafiar-nos a que encetemos esse exercício. A entrevista toma como pretexto a recente publicação pela Alfaguara do novo ensaio de Vargas Llosa, "A civilização do espectáculo". Ele fala deste tempo em que, "como não há maneira de saber o que é a cultura, tudo é cultura e já não o é". Essa "dissolução de hierarquias e referentes" é, para o autor de "Conversa na Catedral", uma clara consequência do "triunfo da frivolidade, do reinado universal do entretenimento".
Vale a pena mergulhar nesta longa entrevista, enquanto não chega o ensaio de Vargas Llosa. Ela contém avisos muito sérios sobre os perigos que ameaçam a cultura democrática. Sobre os perigos que advêm da frivolidade que é a marca destes dias. Ela manifesta-se, lembra o peruano, por um quadro de valores "completamente confundido, pelo sacrifício da visão a longo prazo em benefício do imediato".
Por causa desta entrevista, a que voltarei, fui procurar um dos discursos de Camus, por ocasião da atribuição do Nobel, em 57, aquele que tem por titulo "O Artista e o seu tempo". Lá está a referência ao modo como a arte se afirma "numa perpétua tensão entre a beleza e a dor, o amor dos homens e a loucura da criação, a solidão mais insuportável e o assédio da multidão, a recusa e o consentimento". Nesse discurso, proferido no grande anfiteatro da universidade de Upsala, Camus lembra-nos que a arte "caminha entre dois abismos que são a frivolidade e a propaganda".»
Fernando Alves “Sinais”, 16 de abril de 2012, na TSF
segunda-feira, 22 de julho de 2013
Liberdade, de Fernando Pessoa
- LIBERDADE
- Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca.
Fernando Pessoa
http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/195.php
Lágrima de Preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para analisar.
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão
sábado, 20 de julho de 2013
"Os ombros suportam o mundo" de Carlos Drummond de Andrade
Os ombros suportam o mundo
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade
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